terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Quem é o rei?


Esta é a história de um camponês

que de tão pobre

estava só pele e osso

um dia, sentado à porta de sua

velha cabana, viu chegar um caçador

montado num cavalo.

O caçador parou,

Apeou do cavalo,

Cumprimentou-o e disse:

— Perdi-me na floresta

e estou procurando o caminho

que leva à cidade de Gondar.

— Gondar fica a dois dias de viagem —

respondeu o camponês. -— O sol já se pôs, seria

mais prudente passar a noite aqui

e prosseguir amanhã de manhã.


O camponês tinha uma galinha tão

magricela quanto ele. Matou-a e a cozinhou

para oferecer um bom jantar ao caçador.

Ofereceu-lhe ainda sua cama.


De manhãzinha, quando o homem despertou, o

camponês explicou a ele como chegar a Gondar:

Você deve contornar a floresta,

evitar as pedreiras,

afastar-se dos precipícios,

não se perder, seguir a estrada,

tomar um atalho...


O caçador ficou preocupado:


— Pressinto que vou

me perder novamente.

Não conheço a região. Você não poderia me

acompanhar até Gondar?

É só montar na garupa.


— Está bem — disse o camponês —,

mas sob uma condição:

quando lá chegarmos, você poderia

me apresentar ao rei,

que eu nunca vi em toda minha vida?


— Você o verá,

prometo a você.


Nosso homem fechou a porta da casa,

montou na garupa e lá se foram pela estrada.

viajaram muito, por muito tempo.

Quando avistaram Gondar,

o camponês perguntou ao caçador:


— Como se faz para

reconhecer o rei?

— Não se preocupe. Lembre-se

apenas disto: enquanto todos fazem a mesma coisa

ao mesmo tempo, o rei é o único diferente.

Observe bem as pessoas ao redor

e assim o reconhecerá.


Uma hora mais tarde, os dois homens

chegaram às imediações do palácio.

Uma multidão se apinhava

diante dos portões.

Todos falavam e comentavam

as notícias do reino.

Quando viram os dois homens a cavalo,

afastaram-se do portão.

e se ajoelharam.

O camponês não entendeu nada.

Todos se ajoelharam, menos ele e o caçador, que

estavam a cavalo.


— Onde pode estar o rei? — perguntou o

Camponês. — Não o vejo.


— Vamos entrar no palácio e

lá você o verá — assegurou o caçador.


E os dois homens entraram

a cavalo no palácio.


O camponês estava preocupado.

Ao longe, viu uma fileira de guardas montados,

que os esperavam na entrada.

Os guardas desceram dos cavalos.

Ficaram todos a pé. Apenas ele

e o caçador continuaram a cavalo.


O camponês irritou-se:

— Você me disse: quando todo mundo

fizer a mesma coisa...

Onde está o rei?

— Paciência.

Você vai reconhecê-lo,

lembre-se apenas disto:

enquanto todos fizerem a mesma coisa

ao mesmo tempo, o rei fará diferente.


O camponês ficou mais perplexo do que nunca.

— Quem pode ser o rei?

Ainda não consigo vê-lo.


Os dois homens apearam também.

Entraram numa sala imensa do palácio.

Todos os nobres, cortesãos e conselheiros

tiraram o chapéu

quando os viram. Ficaram todos

de cabeça descoberta, exceto o caçador

e o camponês, que não sabia por que usavam chapéu

ali dentro do palácio.


O camponês se aproximou do caçador

e murmurou:

— Não estou vendo o rei.

— Não seja impaciente.

Quando todo mundo faz

a mesma coisa ao mesmo tempo,

o rei é diferente.

Logo você acabará por

reconhecê-lo.

Venha se sentar.


Os dois homens se instalaram

num sofá confortável.

Todos ficaram de pé

em volta deles.

O camponês não parava quieto.

Olhou ao redor, aproximou-se

do caçador e perguntou:

— Quem é o rei?

É você ou

sou eu?


O caçador soltou uma gargalhada e disse:

— Você tem razão,

eu sou o rei.

Mas você também

é um rei,

Pois soube acolher um estranho.


Como esta história,

A amizade deles durou muito tempo,

Uma amizade real.

E eis aqui o final.

Tchau!


(extraído de O príncipe corajoso e outras histórias da Etiópia, Praline Gay-Para, São Paulo, Comboio de corda, 2007.)

Gondar: antiga capital do império da Etiópia, situada a nordeste do lago Tana. Foi ocupada pelos italianos entre meados de 1930 até 1941, ano em que os britânicos a bombardearam. A cidade abriga ruínas do período imperial, bem como vestígios de arquitetura fascista.
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